Entomotropica
Vol. 18(2): 149-151. Agosto 2003
ISSN 1317-5262

Notas sobre relações foréticas entre espécies de Chironomidae e Odonata do Estado de São Paulo, Brasil

Patricia Ferreira-Peruquetti, Susana Trivinho-Strixino

Universidade Federal de São Carlos, Departamento de Hidrobiologia, Laboratório de Entomologia aquática, C.P. 676, CEP 13565-905, São Carlos, SP, Brasil

Resumo

Ferreira-Peruquetti P, Trivinho-Strixino S. 2003. Notas sobre relações foréticas entre espécies de Chironomidae e Odonata do Estado de São Paulo, Brasil. Entomotropica 18(2):149-151.

É relatada a ocorrência de forésia de larvas de Chironomidae em larvas de Odonata, em córregos de Campos do Jordão e em Luiz Antônio, ambos municípios do Estado de São Paulo, Brasil. Foram encontradas Thienemanniella sp. Kieffer, 1911 (Orthocladiinae: Corynoneurini) aderidas ao corpo de Argia modesta Selys, 1865 (Zygoptera: Coenagrionidae) e Rheotanytarsus Thienemann e Bause, 1913 (Chironominae: Tanytarsini) em Elasmothemis cannacrioides (Calvert, 1906) (Anisoptera: Libellulidae), Heteragrion sp. Selys, 1862 (Zygoptera: Megapodagrionidae) e Castoreschna sp. Calvert, 1952 (Anisoptera: Aeshnidae).

Palavras chave adicionais: insetos aquáticos, simbiose, sinforesia.

Abstract

Ferreira-Peruquetti P, Trivinho-Strixino S. 2003. Notes on phoretic relationship between Chironomidae and Odonata species of São Paulo State, Brazil. Entomotropica 18(2):149-151.

This note reports phoresy between larvae of Chironomidae and larvae of Odonata in streams of Campos do Jordão and Luiz Antônio, both cities of São Paulo State, Brazil. We found Thienemanniella sp. Kieffer, 1911 (Orthocladiinae: Corynoneurini) attached on Argia modesta Selys, 1865 (Zygoptera: Coenagrionidae) and Rheotanytarsus Thienemann e Bause, 1913 (Chironominae: Tanytarsini) on Elasmothemis cannacrioides (Calvert, 1906) (Anisoptera: Libellulidae), Heteragrion sp. Selys, 1862 (Zygoptera: Megapodagrionidae) and Castoreschna sp. Calvert, 1952 (Anisoptera: Aeshnidae).

Additional key words: aquatic insects, symbiosis, symphoresy.


Sinforesia é uma relação comensal envolvendo larvas de algumas espécies de Chironomidae que vivem no exoesqueleto de hospedeiros maiores como Ephemeroptera, Megaloptera, Plecoptera, Odonata e Trichoptera e por eles são transportados. Aparentemente, o hospedeiro não tem benefício ou prejuízo nesta relação, mas há várias possibilidades de benefícios para o Chironomidae. (Steffan 1967; Gotceitas e Mackay 1980; Svensson 1980; White et al. 1980; Craston et al 1983; De La Rosa 1992; De La Rosa e Ramírez 1995; Dosdall e Parker 1998; Callisto e Goulart 2000). Neste trabalho, mostramos o primeiro registro para o Brasil da associação entre dois gêneros de Chironomidae e três de Odonata.

O material examinado foi coletado com rede manual tipo "D", malha de 500mm e Surber em dois córregos do Parque Estadual de Campos do Jordão (PECJ) (lat 22° 30' a 22° 41' S e lat 45° 27' a 45° 31' W), em novembro de 1999 e setembro de 2001. O município de Campos do Jordão encontra-se a 1628m de altitude, na Serra da Mantiqueira e possui a Mata de Araucária como vegetação predominante. Estes córregos apresentavam águas muito límpidas. No município de Luís Antônio (LA), foi amostrado o Ribeirão do Onça (lat 21º32'04.2"S, long 47º41'14"W) em agosto de 2000. Este município está situado na região nordeste do Estado, a 675m de altitude, em área de Cerrado. Em ambos os locais, os trechos amostrados apresentavam águas rápidas e substrato arenoso.

As larvas de Odonata foram criadas em laboratório para determinação da espécie através da identificação do adulto, mas somente os espécimes de Argia emergiram. Foram montadas lâminas semi-permanentes para a identificação dos exemplares de Chironomidae.

No PECJ, uma larva de A. modesta Selys, 1865 (Coenagrionidae) apresentou cuatro casulos de pupa, sendo dois vazios, dois casulos com pupa e a respectiva cabeça da larva. O outro espécime apresentava um casulo de pupa, a respectiva cabeça e casulo da larva de Thienemanniella sp. Kieffer, 1911 (Orthocladiinae: Corynoneurini) aderidos lateralmente após a inserção do 3º par de pernas.

Segundo De La Rosa (1992), a relação entre Thienemanniella e as larvas de Megaloptera parecem ser obrigatória para o gênero, na Costa Rica, e somente larvas em estádios iniciais foram observadas em outros substratos dos córregos estudados. Esta relação parece não apresentar hospedeiros específicos, pois a observamos em Odonata. Entretanto, há necessidade de saber quais os estádios são encontrados livres e quais estão sobre os hospedeiros para entender melhor o comportamento da larva em relação ao hospedeiro.

Uma larva de Rheotanytarsus Thienemann e Bause, 1913 encontrava-se aderida ao esterno da larva de Castoreschna sp. Calvert, 1952 (Aeshnidae) e outra também no esterno de Heteragrion sp. Selys, 1862 (Megapodagrionidae) (Figuras 1 e 2).

Em LA, das quinze larvas de Elasmothemis cannacrioides (Calvert, 1906) coletadas, sete apresentavam casulos de Rheotanytarsus sp., um dos quais contendo larva. Treze casulos estavam aderidos às pernas das larvas (onze no fêmur e dois nas tíbias), três na parte dorsal do abdome, um na cabeça e um no tórax (Figura 3).

 

Figuras 1-3. Larvas de Rheotanytarsus aderidas ao corpo de: 1) Castoreschna sp. 2) Heteragrion sp. 3) Elasmothemis cannacrioides, as setas indicam os casulos do Chironomidae.

 

Segundo Tokeshi (1993), há quatro fatores interelacionados que favorecem a evolução do comensalismo em Chironomidae: 1) a relação comensal oferece mais oportunidades de alimentação através do suprimentos de detritos e algas do corpo do hospedeiro; 2) há o aumento da mobilidade do Chironomidae para procurar habitats com condições mais favoráveis; 3) a relação pode conferir melhor proteção contra perturbações que caracterizam principalmente os ambientes de córregos rápidos. O hospedeiro seria capaz de se fixar mais firmemente ao substrato e possui melhor habilidade para escapar das perturbações locais e além disso, seus corpos poderiam servir de proteção contra rolagem de pedras; 4) a relação poderia reduzir o risco de predação pela camuflagem no hospedeiro que poderia ser menos palatável que o Chironomidae, além de sua maior capacidade de escape e de defesa. Este ponto está relacionado ao fato de que muitos predadores são incapazes de comer presas grandes. Desta forma, as larvas de Chironomidae aderem aos organismos de maior tamanho corporal, diminuindo a chance de serem predados.

Segundo White et al. (1980), a cabeça, o tórax e as pernas seriam os melhores locais para fixação das larvas de Chironomidae. Os autores não encontraram larvas aderidas ao abdome e no esterno das libélulas coletadas por eles, relacionando esse fato ao hábito destas larvas viverem aderidas ao substrato (reptantes, "sprawlers") e ao movimento de expansão e contração do abdome que dificulta a fixação do Chironomidae. De fato, neste trabalho, estas foram as regiões do corpo com maior fixação de Chironomidae (89%). Entretanto, as larvas de Heteragrion embora sejam consideradas reptantes, algumas vezes são escaladoras (Carvalho e Nessimian 1998) e apresentaram larvas de Chironomidae aderidas ao seu esterno. As larvas de Odonata deste gênero apresentam corpo achatado dorso-ventralmente com pernas curtas e mantêm as lamelas branquiais encaixadas entre si quando em locais correntosos. Estes costumam ser justamente os locais habitados pelas larvas de Rheotanytarsus que, por serem filtradoras, (Coffman e Ferrington 1996), necessitam estar expostas a correnteza. Também as larvas e adultos de E. cannacrioides são sempre encontrados em trechos de velocidade rápida dos cursos d'água (González Soriano 1987).

Agradecimentos

Agradecemos ao Programa BIOTA/FAPESP (processo nº 99/11611-1), ao Frederico Lencioni pela identificação de Argia modesta e à Marcia Suriano por ter cedido a larva de Castoreschna.

Referências

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Carvalho AL, Nessimian JL. 1998. Odonata do estado do Rio de Janeiro, Brasil: hábitats e hábitos das larvas. Em: Nessimian JL e Carvalho AL. editores. Ecologia de Insetos Aquáticos. Séries Oecologia Brasiliensis, vol V. Rio de Janeiro: PPGE-UFRJ. p 3-28.

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Craston PS, Oliver DR, Saether OA. 1983. The larvae of Orthocladiinae (Diptera: Chironomidae) of the Holartic region - keys and diagnoses. Entomol Scan Supl 19:149-291

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Gotceitas V, Mackay RJ. 1980. The phoretic association of Nanocladius (Nanocladius) rectinervis (Kieffer) (Diptera: Chironomidae) on Nigronia serricornis Say (Megaloptera: Corydalidae). Can J Zool 58:2260-2263.

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Tokeshi M. 1993. On the evolution of commensalism in the Chironomidae. Fresh Water Biol 29:481-489.

White TR, Weaver JS, Fox RC. 1980. Phoretic relationships between Chironomidae (Diptera) and benthic macroinvertebrates. Entomol News 91:69-74.